OS TESOUROS PERDIDOS DE VICÊNCIA
Primeira parte
Por: José Edinilson Costa (Nilsinho)
O fim de um santuário ecológico
Abrangendo vários municípios e fazendo fronteira entre Vicência/ Timbaúba e Vicência/ Macaparana, o cordão de serras denominado Serra do Mascarenhas é formado por várias outras serras, entre elas: Tipi, Neves, Pedra do Mascarenhas( uma das partes da Serra mais bonita), Taquari e Serra do Jundiá ou Pico do Jundiá. Esta última, que também o chamam de Serrinha ou Serra da Igrejinha, é o ponto mais importante e de maior beleza paisagística [considera-se na composição paisagística Serra do Jundiá: a parte que compreende a fazenda Sapucaia e a outra, denominada depois do desmatamento de fazenda Jatobá], sendo também o de maior interesse turístico. Sobre uma enorme rocha com 450m. Acima do nível do mar, existe uma capela sob a invocação de N. S. da Conceição, tendo como maior destaque do turismo; o religioso e o esportivo e aventura, como o vôo livre em asa delta e parapente. Apesar de essas serras terem sofrido terríveis desmatamentos, ainda chamam a atenção de muitas pessoas que vem ao município de Vicência. Sua beleza pictórica despercebida por muitos vicencianos, varia, dependendo do horário, das condições atmosféricas e das estações do ano, que causam efeitos lindos. Possui também o segundo maior remanescente de mata atlântica do Nordeste.
Entre os desmatamentos que ouve, o mais lamentável foi o do lado leste da Serra do Jundiá[a parte denominada de fazenda Jatobá]. A mesma exibia uma exuberante floresta com fontes d’água abundantes. Quando eu era de menor idade, lembro que quando íamos para a Serra pela estrada que cortava a mata, além do canto dos pássaros ouvíamos o barulho das águas em abundancia dentro da mesma em pleno verão, e nas laterais da estrada, as enormes árvores com longos cipós onde nós se balançávamos...a quantidade de lindas borboletas que cruzavam nosso caminho e as flores silvestres nos lados da estrada enfeitavam o cenário. No interior da mata, o cenário era deslumbrante; as variedades das grandes árvores com espessuras que precisaria de algumas pessoas de mãos dadas para fechar o círculo - nem sequer deixaram pelo menos uma como monumento-; as bromélias,as bicas, os animais como alguns macacos pulando nas árvores, as revoadas de pássaros, etc. Parecia estar em um lugar escolhido por Holliwood; ouvíamos também algumas lendas.
O desmatamento desse Santuário iniciou uns anos após a morte do proprietário Dr. Joaquim Correia Xavier de Andrade. Depois da divisão de herança entre os filhos, por volta de 1974, um dos filhos João Antonio Correia [João de Jundiá, ex vice prefeito] vendeu ao português Joaquim Pinto, parte da madeira. Este não chegou a acabar com a mata,pois o acordo era só para retirar as madeiras de Lei de forma salteada. Posteriormente o irmão de Seu João de Jundiá, o Dr. Joaquim [filho], vendeu a sua parte a Antonio Ludujero, e por volta de 1976 iniciou-se o desmatamento. José Rufino [Zezinho Tinin] que anos depois viria ser prefeito, também comprou uma parte e desmatou. Posteriormente Samuel Cunha [ex vereador] também adquiriu outra parte que também foi desmatada. Tais atitudes abalaram profundamente o outro irmão de seu João de Jundiá ; o ilustre vicenciano; Prof. Dr. Manuel Correia de Oliveira Andrade[1], que ficou revoltado com a destruição da mata; nem a parte dos mananciais escaparam; Foi como quem quisesse eliminar um inimigo sem deixar nenhum vestígio.
Meu pai foi outra das raras pessoas a criticar ou se preocupar com esses atos. Os anos mais devastadores foram os da década de 1980, e em meados desta, a consciência ambiental já começava aflorar em muitas pessoas e algumas denúncias foram feitas ao IBDF [Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal], mas nenhuma providencia foi tomada. Em 1989 foi criado o IBAMA, substituindo o IBDF e outros órgãos, mas só a partir de 1990 com a posse do presidente Fernando Collor que exigiu mais rigidez na proteção as matas e criando o Conselho de Meio Ambiente da Presidência da República é que foi dada uma redução nesses crimes. Um dos Machadeiros que trabalhou nessa mata, Manoel Antônio de Araújo (Manoel carreiro), hoje cirandeiro (ciranda teimosinha) lembra que foi trabalhar em outro município por volta de 1976, e uns anos depois quando voltou, ficou surpreso quando viu essa parte da serra toda pelada. Ficou um ambiente desolado, quente, vários mananciais secaram etc.
Posteriormente foi coberto por bananeiras que permanece até hoje. Sofre com as erosões, formaram-se enormes crateras, barragem com impedimento de curso natural das poucas águas que resta, extinção local de vários animais silvestres, assoreamento do riacho no sopé da serra, entre outros problemas. Poderia ser possível terem impedido esses desmatamentos se os políticos Vicencianos da época tivessem se interessado. -Hoje em dia grandes partes dos políticos ainda permanecem cometendo ou acobertando crimes ambientais, imaginem naquele tempo- Como se não bastasse, em 2005 foi constatado um novo desmatamento na parte pertencente a usina Cruanji, onde faz divisa com a fazenda denominada Jatobá, penetrando uns trinta metros para o norte e centenas de metros de leste a oeste, contrariando a direção da usina.
No lado oeste dessa serra também houve muito desmatamento, onde hoje fica a fazenda Sapucaia, porem, não houve tanta revolta do povo quanto a do lado leste; talvez uma das razões seja por esta parte não superar a outra em beleza e o outro motivo pode ser pela mesma se encontrar mais escondida da visão de quem está na cidade ; ao contrario da outra, que os vicencianos assistiam a devastação durante todo o período , ’’ ao vivo e a cores’ ’sem precisar sair da cidade. A destruição desse santuário citado anteriormente, ainda não saiu da memória dos vicencianos que o conheceram; um tesouro destruído que ainda é o cartão postal natural do município (o cultural é o eng. Poço Comprido) e está presente até em sua bandeira.
O COMBATE AOS CRIMES AMBIENTAIS E AS ONGs
Com o surgimento das ONGs, o combate aos crimes ambientais melhorou consideravelmente, (embora que existam membros de ONGs agindo de má fé) e a cada ano o combate aos poucos iam se intensificando; sendo que de 2006 a 2014, aqui em Pernambuco a coisa foi o inverso, o estado diminuiu as fiscalizações drasticamente, (não estou sabendo avaliar agora em 2015) mesmo sob as denúncias feitas pelas ONGs; poucas providências foram tomadas. Ha alguns anos, quem atuam mais na área são a CPRH e a polícia da CIPOMA, e não o IBAMA. Essa Serra ainda pouca a pouco vão avançando com desmatamentos, sem falar nos incêndios, caça, etc. Certa vez vi um político falar na televisão, que deixar o estado tomar conta do meio ambiente é como botar galinha para raposa tomar conta.
Há muitos anos pensei num projeto de reflorestamento na serra do Jundiá e mediações. Em 30/09/92 o Diário de Pernambuco publicou uma carta escrita por mim e pelo prof. José Alfredo (Zuca) tratando de problemas ambientais em Vicência, em 2010 propôs a ONG IPDAPE a qual faço parte, um pedido ao governo do estado, o reflorestamento da citada área; eu mesmo entreguei o ofício. Em 2011, numa conferencia em Goiana com o governo do estado, eu, junto com Luciano Fernandes (Coração), em nome do IPDAPE, pedi mais fiscalizações nessas serras e o reflorestamento da Serra do Jundiá e mediações.
Com a proposta de criação das unidades de conservação Serra do Mascarenhas, que irá compreender os municípios de São Vicente Ferrer, Macaparana, Timbaúba, Vicência e Aliança, é uma esperança de salvação da extinção local, várias espécies de animais e plantas que ainda resistem a esses massacrem; além da introdução de varias espécies que sumiram há muito tempo, além de muitos outros benefícios. O projeto foi desenvolvido pela AMANE – Associação para Proteção da Mata Atlântica do Nordeste, uma das recomendações foi feita pela UPE- Universidade de Pernambuco. A reunião para expor o projeto foi feita no engenho Xixá – Timbaúba em 05/02/14; mas vem encontrando resistência de vários agricultores; alguns se reuniram e foram ao governo pedir a anulação do mesmo. O turismo rural e o ecológico estão cada vez mais em alta no Brasil e no mundo; outra razão para beneficiar nossa região.
O cartão postal de Vicência, Serra do Jundiá. Inclui-se em sua paisagem a parte da fazenda Sapucaia, à esquerda da foto. Na parte delineada, o trecho desmatado que está visível; à direita, a parte delineada, situa-se também a área denominada de Fazenda Jatobá. Nos trechos pela PE 74, de Esperança à Vicência, ver-se por um ângulo melhor o tamanho da área devastada que está à direita da foto. Essas são mais ou menos as principais áreas desmatadas que deveriam ser preservadas a todo custo. Foto 2015.
Foto: Agnaldo Lourenço
Na foto acima, tirada meses antes da anterior, mostra com mais detalhes a parte rochosa (boa parte dela coberta pela vegetação); mais abaixo, nas partes amarronzadas, vestígios de incêndios. Quase não se percebe a capela por estar quase em alinhamento com a torre da antena (por trás), e com o céu parcialmente nublado
Foto tirada por volta de 1942, após uma caçada de veados aqui em Vicência, no tempo em que a fauna e a flora ainda eram abundantes. - Observe no centro da foto, três veados abatidos-.Eis os nomes de alguns caçadores que reconhecemos: da esquerda para a direita em frente: o 2º, Otacílio (Veiota Alfaiate); 3º, Severino Gonçalves da Costa ( Tibino do Tejo- meu tio); 5º, Américo ( coveiro); 6º, sentado na janela: Moacir Estelita ( pai do atual prefeito Dr. Paulo); 8°, Manoel Bezerra de Andrade ( Mané cazuza);10°, Vicente Correia de Meneses (Vicentinho da Sinuca); 11º, Elízio Correia dos Santos; 12º, João Inácio; de casaco escuro listrado, José Coutinho da Silva, e deitado, Arquimedes.
Esta matéria não tem o propósito de “atacar” ninguém; é apenas um histórico; uma vez que existem pessoas citadas nesta matéria que atualmente são defensores do meio ambiente, como no caso de seu João de Jundiá. E falando em proprietários de terras defensores do meio ambiente, podemos destacar o empresário Mario Andrade, dono da fazenda Fertilidade, aqui em Vicência (que pelo que sei, não tem envolvimento algum com os fatos citados nesta matéria).
A próxima matéria sobre os “tesouros perdidos de Vicência” abordará sobre o patrimônio cultural.
Autor do texto - José Edinilson Costa, atual presidente do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento Ambiental de Pernambuco (IPDAPE).
[1]Manuel Correia de Oliveira Andrade foi historiador, escritor, geógrafo, advogado e professor. Filho de Joaquim Xavier de Andrade e de Zulmira Oliveira de Andrade nasceu no engenho Jundiá em Vicência - PE no dia 03/08/22. Mudou-se para o Recife, onde completou seus estudos. Realizou cursos de pós-graduação no Brasil e em Paris, tendo também estudado na Itália, Bélgica, Grécia e Israel. Faleceu em 22/06/07 no Recife. Sua morte foi destaque na imprensa. Em um dos livros que escreveu: O Vale do Siriji, escrito em 1958, mostra em um dos trechos, a sua preocupação com o destino das matas. Leia o trecho: O USO DA TERRA na penúltima página.