Nossa tentativa elitista de assassinar o Orkut dá os primeiros sinais de sucesso. Ele ainda não morreu, nem pensa em se entregar fácil, luta, mas já cambaleia. Fez oito anos e teve como presente a ultrapassagem do Facebook em acessos no Brasil em 2011: 36,1 milhões de usuários contra 34,4 milhões. Estamos conseguindo. Nós os belos, inteligentes, abençoados pelo bom gosto, demos a primeira tacada no cérebro do zumbi, que pode significar a vitória sobre o que taxamos de o feio, o pobre, a periferia.
Nós, donos da razão, cujo julgamento não pode ser questionado, decidimos: o Orkut é para os fracos, os infelizes, os pregos. Criamos inclusive um termo. Uma família inteira deles. Orkutização, orkutizar, orkuteiro, orkutizado... e lá se vai.
Serve para deixar bem claro que quem usa Orkut é gente diferenciada. Que nós, em nosso Olimpo cultural, cercados de arte e requinte, sabemos identificar o tipo, evitá-lo, e, acima de tudo, deixar absolutamente claro que não fazemos parte de tal tribo.
Orkutizados são a nossa nova mundiça. Aqueles para quais olhamos de lado, treinados que fomos, no disfarce, para esconder o preconceito, mas soltamos uma expressão detonadora se houver alguém para compartilhar a desaprovação.
Mundiça virtual, diga-se. É na rede que o carimbo orkutizado cai com frequência. Parecido ao nosso grito vida real de “Gentalha! Gentalha! Gentalha!”. É para intimidar, para manter o povinho no seu devido lugar, para realçar que discordamos totalmente de tão horríveis atitudes.
Adoramos posar de superiores. E precisamos. Não queremos nossa imagem agregada à tosqueira, ao trash, ao podre, enfim, ao que se determinou ser ruim, inferior. A melhor maneira de se distanciar é discriminar. Apontar e rir do outro, avacalhá-lo. Aí nós ficamos imunes. Aparecemos como finos e elegantes.
Até os mais politicamente corretos escorregam. Relaxam, xingam, se permitem fazer piadas quando atacam o Orkut. Quando atacam os shortinhos cavados, as fotos no espelho, os bonés virados para trás, as correntes de bicicleta no pescoço.
Nossa alma refinada gosta de rir de palavras escritas com vários coraçõezinhos pelo meio, de gordurinhas acochadas e sobressaindo em blusas de cottom, de bermudas com o cós quase pelo joelho e da cueca metade aparecendo.
Ninguém da elite resiste a gargalhar diante de um erro de ortografia ou de concordância ou de um ***M@Teu$ziM pL@Y3oY*** ou um “amuh menhaix miguxas!!!!” ou “Eu só add GOSTOSAS”.
Por coisas assim, terrivelmente insuportáveis aos nossos olhos sensíveis, que lutamos contra a orkutização do Facebook. O nosso refúgio de beleza e cultura não pode ser invadido e ultrajado.
Temos, então, em nossa marcha com Deus e pela família Face, que manter as classes C e D lá naquele local, que já foi nosso, pelo qual já lutamos por convites para ingressar, que nos orgulhávamos de estar presentes, mas que decaiu, foi infestado, se popularizou. Hoje temos vergonha de pertencer, de revelar que nosso perfil ainda existe em meio a tanta nojeira.
Não! Não somos pedantes, nem separatistas, nem queremos marginalizar. Imagina! Logo nós que louvamos as manifestações populares, que citamos sociólogos, educadores, pensadores marxistas e tudo mais. É que precisamos de espaço puro, gradeado, com cerca elétrica. Mas como está aberto, temos que vigiar e enxotar.
Os orkutizados têm o Orkut. Que fiquem lá! Que nos poupem de seu desprendimento, de sua coragem de arriscar, de ser quem são livremente. Que nos poupem do sorriso aberto, dos abraços coletivos francos, da transgressão estética, de não terem que posar de eruditos, de gostarem porque gostam e ponto, sem a opressão de temer o ridículo. Nós nos esforçando como sujeitos normais e eles aprendendo a ser loucos.
O Orkut é, digamos, nossa webcracolândia. Onde largamos os indesejáveis. Para que não agridam nossa sensível retina com seus brilhantes cartões de amor à vida, suas fotos familiares em piscinas de parque aquático ou em lajes com churrascão.
Não queremos isso. Queremos assepsia. Pinturas de Picasso e Debret, fotos de Sebastião Salgado, músicas de Maroon 5, Tulipa Ruiz e Chico Buarque, frases de Clarice Lispector, poesias de Fernando Pessoa.
O Facebook é nossa zona de conforto, nossa Daslu internética, grife exclusiva. Deveriam analisar currículo para aprovar novatos, implantar sistema de convites, não aceitar qualquer um.
Permaneçam longe, orkutizados. Já não basta brigarmos por vocês quando alguma área é desapropriada? Não basta reclamarmos por direitos humanos, por justiça social? Ainda querem entrar na nossa rede?
Baixaria só presta como fantasia de Carnaval. Em bailes que nos produzimos de cafuçus e afins. É engraçado zoar pagando de pobre. Até parece que somos iguais, que respeitamos o gosto de vocês. Mas é apenas greia. Lembrem-se: na vida real e virtual, cada um no seu quadrado.
No nosso quadrado há regras, limites de comportamento. Nossa defesa de internet sem fronteiras, contra a censura e coisa e tal, serve somente quando tentam impedir nossos downloads gratuitos. Aí viramos democratas, libertários.
Mas na nossa rede social não. Aqui ou se enquadram, orkutizados, ou se preparem para a pressão. Desta vez, não deixaremos vocês vencerem. Não deixaremos que nos expulsem de novo. Nem temos mais para onde ir. Para o Google +, aquele cemitério, nos recusamos.
Atentem, orkutizados: essa limpeza é para o bem da rede social, nada tem a ver com intolerância. Nós os ungidos sabemos o que é bom e legal. Só nós.